Italianos, coronéis e cartas anônimas

Rodolpho José Del Guerra

Lendo a coleção de "Resenha" dos anos 40, encontrei um relato de Paschoal Artese, referente ao ano de 1901. O artigo tem por título "História relâmpago do anonimato em São José do Rio Pardo".

O articulista Artese, 19 anos na época, comenta sua luta pela "humanidade sofredora, afrontando tudo e todos, fustigando aqueles que praticavam injustiças".

Os fatos começaram em agosto de 1901, precisamente dia 23, na loja da "Casa Angerami", à direita da Rua Francisco Glicério, esquina da Marechal Deodoro.

O jovem Artese, marceneiro, desenhista e copiador de retratos por encomenda, estava na loja quando chegou a cavalo o Coronel Elisiário Luiz Dias. Apeou, entrou na loja, batendo, nervosamente, na mão esquerda, o rebenque que segurava na direita. Com voz demonstrando irritação, perguntou a Leonardo Angerami se ele conhecia um moço italiano de nome Paschoal Artese e qual o seu paradeiro.

— O que está acontecendo, Coronel? – perguntou-lhe Leonardo.

Nervoso, o coronel entregou-lhe uma carta.

— Leia! Isso é um insulto à minha honra, à minha dignidade e ao meu respeito humano. É uma ameaça à justiça!

Leonardo tirou do envelope uma folha pequena e a leu com espanto:

 

"São José do Rio Pardo, 22 de agosto de 1901.

Ilmo. Sr. Elisiário Luiz Dias.

Na qualidade de membro da Sociedade Socialista, venho intimar-lhe a não mais maltratar os pobres colonos da sua fazenda, sob pena de eu fazê-lo matar e notar tudo na estampa.

Saudo-o

De V. S.

Paschoal Artese"

 

— Eu conheço bem a caligrafia do Artese, Coronel Elisiário! Esta letra não é dele e nem sua é a assinatura. Isso é obra de algum covarde que quer denegrir o Club Socialista! – disse-lhe Leonardo, não lhe apresentando o jovem socialista marceneiro, que estava próximo.

Muitas cartas, com o mesmo teor, pipocavam na cidade, sempre dirigidas a fazendeiros, indignando as autoridades e o povo, contra aquela atitude hostil.

O Club Socialista "Filhos do Trabalho", em reuniões seguidas, deliberou divulgar seu protesto nas colunas do jornal "O Rio Pardo", de 31 de agosto de 1901, e, também, distribuí-lo em todas as casas da cidade.

 

"Ao público.

A Diretoria do Club Socialista desta cidade previne aos senhores fazendeiros deste município que alguém, obedecendo a instintos infames, procura chamar o ódio não só sobre os socialistas como sobre nosso companheiro Paschoal Artese, dirigindo em nome deste e do Club Socialista cartas ameaçadoras a cavalheiros estimados e conceituados nesta cidade.

Infelizmente, não conhecemos o canalha que lança mão de meios tão vis para ver se nos incompatiliza com cavalheiros que têm recebido tais cartas.

Quem quer que seja, porém, terá sua paga.

Rogamos a todos aqueles que receberam tais cartas o obséquio de no-las entregar, para podermos averiguar a procedência delas.

São José do Rio Pardo, 28 de agosto de 1901.

Ignacio de Loyola
Francisco de Escobar."

 

E as cartas continuaram, por muito tempo, desassossegando fazendeiros e o jovem Artese.

Neste mesmo artigo de "Resenha", de 1940, Artese recorda-se das dezenas de cartas, também anônimas, que recebeu, em agosto de 1919, por ter criticado os Poderes Municipais pelo gasto do dinheiro público, custeando cara polêmica, publicada no jornal "O Estado de S. Paulo", por ocasião da remoção ou recolhimento do querido Padre Euclides Carneiro, pelo bispo diocesano.

Naquele ano, 1940, Artese estava recebendo outras cartas sem assinaturas, criticando a construção do Sanatório para tuberculosos, em Sapecado.

 


O polêmico Paschoal Artese, 74 anos, vereador em 1955,
discutindo na Câmara com o vereador Eduardo Vicente Nasser.

 

 

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