Frases  (i)mortais

 
A ponta de uma ilhota na Área de Lazer

 

A tumultuada história do Brasil é pródiga em registrar frases que tanto resumem a importância de fatos quanto a altura intelectual de seus pronunciadores.

O iniciador desse tipo de documentação foi o imbatível Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral: não era atribuição sua dar notícia alguma sobre o achamento de novas terras, mas, oportunista como poucos, Caminha percebeu que daquele toco poderia sair mel, ou seja, comunicar ao rei D. Manuel que tinham chegado  a local desconhecido, mas promissor, bem que lhe poderia render algum benefício, as alvíssaras – recompensa merecida por dar a alguém poderoso informação por isso mesmo dita alvissareira. Daí o informe de que a terra é boa e generosa e, em se plantando, tudo dá.

Estava assim inaugurada uma prática que até hoje faz sucesso no Brasil: meter o bedelho onde não seria da conta, ou por outras palavras, praticar  o puxa-saquismo explicito.

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Dizem que a frase curta e grossa de D. Pedro I – Independência ou morte – não teria saído de sua própria cabeça, sempre  preocupada com outros assuntos mais aprazíveis, como pensar em mulheres, bonitas ou não. A verdadeira autora do chamado grito do Ipiranga teria sido a esposa de Pedro, a sofrida princesa  austríaca Leopoldina, que a teria enviado por mensageiro ao marido, na subida de Santos para São Paulo. Parece hoje coisa combinada, como deve ter sido a feitura da música do Hino da Independência, do próprio Pedro, executada com letra de Evaristo da Veiga,  pouquíssimo tempo depois.

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Das frases atribuídas a Pedro II (aquele velhinho  barbudo que mais parece pai do que filho de Pedro I), nenhuma me soa mais chocante do que aquela em que ele diz com toda a seriedade que, se não fosse imperador, gostaria de ser professor.  Quem sabe em Yale? Ou em Oxford?

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Plágio dos bem deslavados teria sido aquele que o almirante Barroso perpetrou ao início da maior batalha naval da América do Sul, a do Riachuelo, travada longe do mar entre brasileiros e paraguaios. Foi  na chamada  Guerra do Paraguai , que no Paraguai não se chama Guerra do Brasil, mas Guerra da Tríplice Aliança, porque perpetrada contra  eles pelo Brasil, Argentina e Uruguai.  Mas vamos à frase: O Brasil espera que cada um cumpra seu dever. Se os livros ingleses não mentem, o almirante Nelson já a teria proferido ao início da batalha de Trafalgar, em que  ele dizimou a esquadra de Napoleão Bonaparte. Naturalmente colocou  Inglaterra em lugar de Brasil.

Alguém comentou com graça que a versão mais  atual da frase deve ser: O Brasil espera que cada um compre sem dever. Faz sentido.

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O nosso bom frasista Euclides da Cunha é muito lembrado por duas preciosidades suas, infelizmente não poucas vezes o resumo de  todo o cabedal de conhecimentos específicos de um número espantoso de aderentes tardios ao euclidianismo:

O sertanejo é, antes de tudo, um forte.

Estamos condenados à civilização: ou progredimos ou desaparecemos.

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O cético Machado de Assis atingiu  o auge de seu niilismo nas linhas finais de Memórias póstumas de Brás Cubas, quando, muito provavelmente num rasgo  de confissão autobiográfica,  admitiu: Não tive filhos, não transmiti  a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. Forte, não?

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No campo da política, encontram-se  alguns dos tesouros de nosso frasismo.

Quem ler com atenção a carta-testamento de Getúlio Vargas (1954) e a carta-renúncia de Jânio Quadros (1961)  vai, como eu, achar que elas não foram fruto do improviso, mas antes dois textos muito trabalhados, até com auxílio alheio. Não sai gratuita, em momento de intensa comoção,  uma frase como Deixo a vida para entrar na História (Getúlio) ou  Fui vítima de forças ocultas (Jânio).

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Como precursor do estilo dilmista, merece destaque Fernando Costa, um sujeito que  por volta de  1940 foi ministro  da Agricultura de Vargas e interventor federal em São Paulo. São de sua lavra essas duas joias de pensamento profundo:

Com minha presença, dou por inaugurada esta exposição de animais.

Em discurso de apoio ao reflorestamento, Fernando Costa  filosofou:

Meus amigos,  plantem eucaliptos, essas árvores notáveis que em dez anos já são centenárias!

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Adhemar de Barros, que foi interventor e depois governador de São Paulo, deve ter repetido em dezenas de ocasiões uma frase que fez  sucesso aqui entre nós: em uma de suas  visitas políticas, quando viu um correligionário sacar do bolso do paletó  uma boa dezena de páginas  de  discurso, não teve dúvida e arrancou o calhamaço das mãos do fiel correligionário, dizendo:

Muito obrigado, meu amigo. Lerei em casa, com toda a atenção, o seu belo trabalho.

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Uma frase de nossa inspirada presidenta mereceu até editorial do Estadão. Ela disse que a Petrobrás  fora premiada em recente evento nos Estados Unidos por ter sido capaz  de extrair petróleo de uma profundidade extremamente elevada. O editorialista, quem sabe daqueles  escribas ranhetas em questões de clareza,  estranhou  o paradoxo de uma profundidade elevada e até aventou uma hipótese – a de se extrair petróleo das profundezas do lago Titicaca, na Bolívia, situado a mais de três mil e oitocentos metros acima do nível do mar. Uma profundidade elevada, sem dúvida.

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No campo esportivo, as pichações e os protestos de torcidas insatisfeitas  produzem  interessantes textos, como o que  se pôde ler  numa faixa estendida no centro de treinamento do Corinthians, logo  depois que o milionário time foi eliminado da Libertadores  pelo modestíssimo Guarani, do Paraguai:

 

OBRIGADO

POR

NADA !!!

 

23/05/2015
emelauria@uol.com.br

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