Profissão desestimulante

 

 

 

Com diferença de dias, fico sabendo de quatro ou cinco casos  de abandono do magistério público por jovens que depositavam fundadas esperanças numa atividade profissional que  seria ao menos forma adequada  de inserção no mundo do trabalho.

Rapazes e moças, recém-formados em curso de tendências humanísticas, submetem-se a concursos, são aprovados, escolhem os locais de trabalho, iniciam a dura luta cotidiana e, de repente,  chegam à conclusão desanimadora:

- Não dá para continuar!

Não dá para continuar lutando, com as poucas armas disponíveis, contra a indiferença e /ou agressividade dos alunos.

O novato  docente de Português, ao tentar a adesão de seus alunos para a crescente necessidade social  de se comunicar e de se expressar com desenvoltura e clareza, vê erguer-se frente às suas pretensões a muralha da frase truncada, das expressões de mau gosto, do nenhum desejo de progresso  pessoal.

E o de História? Como interessar aqueles desorientados grupos de meninos e meninas que nunca leram um livro, não têm hábito algum de reflexão, como os interessar  na evolução milenar dos povos, nas conquistas das ciências, das letras e das artes?

E o de Geografia,  com seus mapas antiquados – como poderá lutar contra a força devastadora dos jogos de guerra, dos videogames sofisticadíssimos?

Poderia, se já não bastassem os poucos exemplos dados, aplicar os mesmos raciocínios desmotivadores ao calouro professor de Matemática, de Ciências, de Educação Artística.

Assim como acontece na sociedade consumista, em que qualquer miserável nem por isso deixa de  ficar sabendo pela televisão sobre o que se come, se veste, se goza, se desperdiça nas classes privilegiadas, assim também nossos pobres alunos de modestas escolas públicas pouco têm em matéria de lazer, de cultura, de elevação individual, mas sabem como é possível a um jovem rico de sua mesma idade desfrutar em matéria de conforto, de fruição da vida...

Estudar para quê?   Este, aliando-se a promotores de atividades ilícitas; aquela, confiando na fugacidade da beleza física de vida efêmera, como  os fazer pensar a sério num trabalho desgastante, mal retribuído, quando os seus eventuais modelos, acertando um golpe de sorte, ganham num dia, numa semana o que o trabalho remunerado exige meses de dedicação?

Antigamente,  a escola não era risonha e franca. Era dura, exigente, seletiva, com as maldades e as vilezas próprias de uma época. Mas nós, produto dessa escola dura, exigente e seletiva, também fomos duros, exigentes e seletivos. E muito cobrávamos dos alunos, tendo o geral apoio das duas instituições profundamente envolvidas no processo educativo: a escola e a família. Não é o que se vê hoje, quando não raro a família em desagregação substabelece, para quem quiser, o mandato de educar suas crianças e adolescentes.

Modestas professoras de escolas rurais, ainda que recém-formadas, conseguiam  resultados surpreendentes, porque contavam com o interesse dos alunos e com o incondicional apoio daquelas famílias tão modestas e tão desprovidas, que viam na educação a grande possibilidade de seus filhos progredirem na vida. As dos grupos escolares, então, conseguiam imprimir em tantos de seus estudantes a marca de sua personalidade, de sua dedicação, de sua competência pedagógica.

Tenho recebido muitas provas de reconhecimento de pessoas a quem lecionei em diferentes lugares e diferentes épocas: São Sebastião da Grama, Vargem Grande do Sul, São João da Boa Vista, Guaxupé. De antigos estudantes do Euclides da Cunha, do Santa Inês, da Faculdade de Filosofia, do Grafos, da Unip, guardo as melhores lembranças e recebo constantes sinais de amizade e de reconhecimento.

Ainda um dia destes, aparece aqui em casa  um senhor de seus quase cinquenta anos, que quer falar comigo. Ao entrar, para surpresa minha,  acompanham-no a mulher e a filha, o cunhado e a cunhada, o sobrinho e a namorada... Morando em Itajubá e estando a passeio em Poços de Caldas, vem a São José do Rio Pardo especialmente para rever alguns amigos e saber notícias de seus professores de terceira e quarta série ginasial no Euclides da Cunha, lá pelos começos dos anos setenta... Dos amigos, reencontrou poucos. Dos professores, ficou sabendo da morte de quase todos eles. Considera seu curto período rio-pardense como dos melhores anos de sua vida.

Este fato aqui narrado não é tão raro na vida de velhos professores, porque a escola era uma instituição com sua afetividade própria, com missão muito peculiar, reconhecida pelo Estado, pela sociedade e pelas famílias.

Os novos professores, pouco valorizados e mal remunerados pelo patrão estatal, pressionados por fatores nocivos, como os jogos eletrônicos e a televisão sem nenhum compromisso  educativo,  talvez muito raramente venham, num futuro remoto, merecer esse tipo de homenagem que se enquadra naquilo que o velho Machado de Assis escreveu a respeito de ingressar na Academia: “É honra que exalta, enobrece e consola”.

 

11/03/2017
emelauria@uol.com.br

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