Duas grandes perdas

 

Setembro de 2007 não foi um bom mês para o euclidianismo.

Primeiro morreu Manoel Roberto Fernandes da Silva, depois de penosa luta contra um câncer no cérebro.

A associação que muitos fazíamos  entre a presença de  Manoel Roberto e de sua esposa Celinha era inevitável, tão raro ver-se um sem o outro.

A iniciação dos dois como euclidianos se deu por influxo do mestre Hersílio Ângelo, desde quando cursavam o excelente Clássico do Euclides da Cunha.

Depois do ingresso de ambos no magistério estadual, entrava ano e saía ano, o Ciclo de Estudos podia contar com a presença dos dois professores, sempre inovadores, sérios em seus propósitos e coerentes com as coisas profundas em que acreditavam.

Os dois imprimiram em tudo o que fizeram a indelével marca da probidade intelectual preconizada por Hersílio e aprimorada no curso de Letras Clássicas da USP.

Aposentados embora do magistério estadual, continuaram num trabalho mais que educacional que deu feição própria à cidade de Caconde, reconhecida à dedicação de ambos. O velório e o sepultamento de Manoel Roberto bem comprovaram isso.

Manoel Roberto me avisou  no mês de julho que nos apresentaria uma surpresa na Semana Euclidiana deste ano. Seu estado de saúde piorou e ele não pôde cumprir a promessa. Sei que se trata de trabalho de fôlego que merece publicação, ainda que precise contar com a colaboração financeira de amigos. Quem está à frente dessa iniciativa de concretizar o livro euclidiano de Manoel é Álvaro Ribeiro de Oliveira Netto, a quem já comuniquei meu apoio.

A 28 de setembro deu-se o falecimento, aos oitenta e cinco anos,  de Amélia Franzolin Trevisan, historiadora de grandes méritos e responsável pela implantação da mentalidade preservacionista que tem impedido o desaparecimento de importantes testemunhos do passado rio-pardense.

Contando com o incentivo do marido, morto prematuramente,  é que concluiu os estudos secundários e mais tarde os  superiores, na área de História, licenciando-se pela Universidade de São Paulo.

Funcionária do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo e posteriormente do Arquivo do Estado, durante certo período esteve comissionada na Casa de Cultura Euclides da Cunha, graças ao empenho do diretor à época, Cléber José Ribeiro.

De origem humilde, em sua Carteira de Trabalho, a que tive acesso para contratá-la como professora de nossa Faculdade de Filosofia, está lá registrado seu primeiro emprego: tecelã.

Pôde desenvolver intensas pesquisas não só a respeito de Euclides, mas da cidade e da região. Elaborou tese de mestrado em que estudou com profundidade e inédita base documental, que buscara no Arquivo do Estado, a importância da presença de imigrantes açorianos na cidade de Casa Branca. O título de seu trabalho, cuja revisão final me coube efetuar, é Casa Branca: povoação de ilhéus – aprovado com distinção por banca da USP.

Amélia Trevisan  deu o devido valor a um documento descoberto na Fazenda Tubaca e encaminhado à Prefeitura Municipal por Eduardo Dias Roxo Nobre: tratava-se nada mais, nada menos do que o livro de atas de fundação da freguesia de São José do Rio Pardo. Poucas cidades poderão exibir igual  certidão de nascimento. A ata de 4 de abril de 1865 trata das primeiras providências para se levar avante o intento.

O combativo jornal Resenha, de Paschoal Artese, divulgou o achamento que mudou o curso de nossa própria história. Infelizmente, já havia sido comemorado, a 19 de março de 1870, o falso centenário da cidade, com pífios festejos de que fez parte até um desfile de enferrujados carros de combate trazidos de Piraçununga...

Perguntei a ela o que, então, havia acontecido a 19 de março de 1870. Sua resposta foi curta e seca: “Historicamente, nada”.

Amélia Trevisan  não só estudou a fundo o livro de atas, mas estimulou de todos os modos que pessoas da cidade se interessassem pela própria história da cidade. Dentre estas, merecem especial referência Eduardo Dias Roxo Nobre, Rodolpho José Del Guerra e Carmen Cecília Trovatto Maschietto, até hoje empenhadíssimas nessas questões locais.

Tenho particular orgulho de haver participado de alguns eventos que ganharam profundo significado na vida rio-pardense:

1.      A fundação da Hemeroteca Jornalista Paschoal Artese, inicialmente instalada em dependência da Faculdade de Filosofia em gestão minha e depois anexada ao Museu Rio-Pardense, no velho prédio (1886) da Câmara e Cadeia. O seu acervo de jornais, revistas e fotografias é de incalculável valor.

2.      O projeto de lei de preservação do referido prédio, iniciativa que contou com a decisiva participação do Grupo Amigos da Cidade.

3.      O projeto de lei, votado e aprovado pela Câmara e promulgado pelo então prefeito Celso Amato (1982), que concentra as comemorações relativas à fundação da  cidade  no dia 19 de março, em atendimento à tradição religiosa da maioria da população, mas reconhece oficialmente como data da fundação da cidade o dia 4 de abril de 1865.

Na redação dos dois projetos de lei, louvei-me na veracidade histórico-documental  estabelecida por Amélia Trevisan. Sempre é bom lembrar que a preservação do prédio  da Câmara e Cadeia contrariou interesses pessoais de alguns vereadores. Um deles, que preferia a demolição do casarão e o erguimento de um supermercado,  chegou a dizer que naquele local nada de importante ocorrera, ou seja, que no seu entendimento a cidade não tinha história...

Com a aprovação de meu projeto, ratificou-se a importância histórica da ata da fundação, que se inicia, paradoxalmente, com uma prova de falsa erudição Com letras bordadas a capricho, a frase inaugural do documento é Gloria in excelsis Deo (Glória a Deus no mais alto dos céus), com excelsis  erroneamente grafado excelcis...

Tenho certeza de que a Prof.ª Amélia Franzolin Trevisan, agraciada com o título de Guardiã da Memória Rio-Pardense em 8 de agosto 2005,  será merecidamente lembrada de muitos modos e por muitas pessoas que reconhecem a importância de sua presença e de sua influência no maneira correta de se lidar com fatos históricos desta cidade. Curioso é que na mesma sessão de entrega do honroso título, Manoel Roberto e Celinha recebiam o de Mérito Euclidiano...

Infelizmente para o euclidianismo, já temos dois nomes para serem relembrados na S.E. – 2008...

 

 
Amélia Trevisan, Negrinha Bello, Marina Parisi Lauria e Adelino Brandão.
Foto tirada defronte à cabana de Euclides, em maio de 1985

 


Amélia Trevisan, Zina e Moisés Gicovate. Foto sem data, tirada em minha casa.

 


Cerimônia de recebimento do título de Cidadã Rio-Pardense por Amélia Trevisan, em 12 de agosto de 1980. Aparecem da direita para a esquerda: Luiz Braghetta Magalhães, vice-prefeito; Luiz Carlos Pinto, delegado de Polícia; a homenageada; Márcio José Lauria, presidente da Câmara; Richard Celso Amato, prefeito municipal; José Roberto Vasconcellos, juiz de Direito; Vanildo Costa, delegado do Serviço Militar. Em pé: Nélson de Ávila Ribeiro, funcionário da Câmara.

 

06/10/2007
(emelauria@uol.com.br)

 

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